domingo, 22 de julho de 2012

Canta ReP


Canta ReP
Por Pablo Tavares

Se tem uma característica que os músicos do estilo gostam de exaltar, ela se chama união. Sendo muitas vezes criminalizado pela sociedade, que vê o gênero como um disseminador de um submundo que a própria população insiste em deixar escondido,  o rap, a cada dia que passa, vem se renovando, na energia daqueles que se juntam para fazer o famoso repente.


Pedro Henrique, o "Mikimba"


Como já dizia rapper paulista "Criolo", que se consagrou na última edição do  Prêmio da Música Brasileira 2012, sendo vencedor de três categorias, incluindo o de melhor cantor, "Cantar rap nunca foi pra homem fraco". Esta é uma verdade que o cenário musical insiste em manter como realidade. Se o Criolo venceu em um dos maiores prêmios da música brasileira, a mesma sorte não chega a uma outra parte. Não vamos compreende-los como coitados, mas sim como talentos que ainda não foram descobertos.
Roda de rimas acontece toda segunda-feira na Praça da Cantareira, em Niterói
Não sendo um estilo que faça parte de trilha sonora de novelas, o rap sobrevive pela paixão daqueles que vêem no estilo uma maneira de ter voz, fazendo com que assuntos muitas vezes ignorados pelo povo sejam debatidos. Como um som que vem da rua, ele leva como característica abordar temas centrais da sociedade, na maioria das vezes com um olhar crítico. O cantor de rap não é somente um músico, mas sim uma tentativa de ser herói, tentando ajustar tudo aquilo que está errado.

Se as oportunidades no cenário musical não são grandes, que se faça pelas mãos daqueles que mantém o estilo vivo. É com este objetivo que acontece, toda segunda feira, na Praça da Cantareira, em Niterói, a "Roda de Rima". Estando instalada em um dos locais mais conhecidos da cultura niteroiense, a Cantareira, palco de diversas manifestações artísticas no decorrer dos anos, é um ponto que une as mais diversas tribos que juntas mantém o ar alternativo do local. Cercada por bares e casas onde acontecem festas de rock, eletrônico, rap, samba e todos os outros estilos musicais e culturais, a localidade recebe a Roda, juntando todo início de semana artistas que pretendem, juntos, consolidar seus trabalhos.

Expressões culturais como malabares também fazem parte da roda
O rapper Pedro Henrique Oliveira Leal, conhecido como "Mikimba", organizador da roda, não gosta de se ver como tal. Para ele, seu trabalho é levar através de sua experiência o projeto para frente, visando oferecer aos artistas locais um espaço para expor suas ideias, seus trabalhos e músicas. Ele, que teve como companheira de sua vida a mudança, carrega em seus 20 anos de idade a experiência de ter vivido dos 3 aos 10 anos nos Estados Unidos, resultado do trabalho de seu pai. Nascido no dia 26 de julho do ano de 1992, na cidade do Rio de Janeiro, agora, ele diz que pretende morar em Niterói até os seus cabelos brancos.

"Comecei escrevendo poesias por volta dos 13 anos para descarregar tudo aquilo que me incomodava, como a maioria dos MC’s, imagino. Desde pequeno ouvindo mais rap do que qualquer coisa, terminei, naturalmente, indo para este lado. Freestyle, letras, mensagens em cima de batidas, resumindo: ReP (Ritmo & Poesia), onde vi que a minha voz tinha mais força e onde encontrei quem quisesse ouvir o que tenho a dizer.
Também encontrei muitos aliados que estavam na mesma luta. Fui convidado para participar do grupo de rap Rua22, onde comecei a levar minha arte mais a sério, idealizando-a como uma possível profissão. Por alguns motivos, terminei saindo e seguindo uma carreira solo. Foi nesse meio tempo que me juntei a ao grande músico e querido amigo, Rafael Lira, com quem onde mesclávamos minha essência rap com a musicalidade dele. Foi daí que surgiu o "Relevância", projeto que estou levando adiante com o Rafael, em paralelo com outros que estão concretizando aos poucos."

Quadro feito por Ian Medella
Mas é neste cenário de exclusão, que muitos estão inseridos, que os artistas buscam força e inspiração para compor suas letras, inserindo suas experiências nas composições, que são apresentadas nos improvisos que acontecem enquanto alguns cigarros são queimados e algumas cervejas degustadas. A importância deste espaço para todos ali se reflete em um sorriso após uma melodia bem feita. É neste local a céu aberto, com as benções da lua que as palavras e batidas se soltam, propagando-se pelo ar. A importância dos encontros é explicado por Mikimba. "Realizo a roda por um único motivo: levantar a cultura, principalmente a de rua, independente e sem nenhum tipo de apoio do governo ou órgão semelhante. A cultura de rua para mim é uma das mais fortes na sociedade em que vivemos, pois envolve pessoas que realmente sofrem diretamente as consequências e inconsequências dos “poderosos” do nosso governo."

Apesar de ser uma novidade que atrai os olhares dos curiosos que passam pela praça da Cantareira, o projeto, em si, já existe há algum tempo. Acontecendo em São Francisco e organizada por Nissin, integrante do grupo "Oriente", a roda foi morrendo aos poucos e, após agonizar por um tempo, acabou por encerrar as atividades, calando as vozes que ali se levantavam. As dificuldades enfrentadas passam também pelo frágil cenário musical niteroiense. Apesar de conhecidos músicos terem saído da cidade (um exemplo dentro do próprio rap é Black Alien, músico integrante da banda Planet Hemp, uma das mais importantes da década de 90 e que tinha também como integrante Marcelo D2), os músicos enfrentam dificuldades e muito acabam por encurtar suas carreiras.

"Nós últimos tempos, Niterói se encontra numa carência desses movimentos e organizações culturais onde as pessoas podem vir e participar da forma que quiserem, desde que seja para somar. Devido a essa necessidade cultural, Nissin veio com a ótima ideia de começar uma nova roda. Mas agora localizada na Praça da Cantareira, local de extremo potencial cultural. Abracei a ideia de primeira. Como o Nissin, acredito que por falta de tempo devido ao seu sucesso no grupo, não poderia mais organizar a roda, eu, inconscientemente, terminei ficando responsável por este cargo de organização e divulgação", explica Mikimba, que vem tentando criar um espaço para novos músicos se destacarem sem precisar migrar para outros locais

Quadros sendo feitos durante a realização da roda

"Niterói sempre teve excelentes músicos, mas se destacar aqui é difícil. São poucas as condições, casas de shows e eventos culturais que abrem espaço para bandas independentes. Tanto é que tem sido uma tatica sair de Niterói pra fazer o nome no Rio de Janeiro, ou em estados que tem uma cena cultural mais ampla, como no sul ou São Paulo para depois voltar com o nome fortificado. É assim que a galera de Niterói tem 'voltado' reconhecida", explica, lembrando de nomes da cidade que marcaram o cenário cultural nacional. "Niterói é terra de grandes artistas na cena do rap, assim como o Gustavo Ribeiro (Black Alien), Ramon Moreno (De Leve), Cláudio Márcio (SpeedFreaks), e Rodrigo Vieira (Marechal) , fortes representantes do rap carioca. Atualmente o nome mais marcante é o Oriente, que traz junto aos seus trabalhos a galera da SSM, que engloba o Caixa Baixa e o Sem Miséria."

Na cabeça de quem está presente, somando força com os presentes, um artista que não trabalha com as batidas e rimas, Ian Medella, um dos apoiadores da roda, expõe seus quadros no cenário da roda. Além disso, o evento tem a sua cara. Ele é o responsável pelo quadro que, atualmente, é a arte ilustrativa da divulgação do evento.


Em um mar de cultura, mistura e batidas, a roda vai acontecendo, com suas vozes que ali tomam forma, com os rostos que ali se inserem e tomam identidade. Na essência do rap, que vê na união a força para quebrar barreiras, mais uma foi quebrada e o céu é testemunha do grupo de jovens que vêem na arte um escape para o mundo que insiste em excluí-los. Tudo isto com visão de futuro, com objetivo de firmar a roda como um local democrático e de voz para todos. " A idéia é oficializar a roda, conseguindo a autorização e o apoio do governo para a montagem de uma estrutura que suporte um grande evento, assim podendo organizar uma Roda de Rima mais apresentavel e receptiva para quem é de fora da cena, proporcionando o conforto e a
participação ao extremo.", fala Mikimba.













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